Juntas, empresas produzem cerca de um terço da cerveja mundial. Com a compra bilionária, a AB InBev abre caminho na África.
SABMiller é a segunda maior cervejaria do mundo e dona de marcas como Miller, Peroni e Grolsch (Foto: AP)
A britânica SABMiller, número dois do mundo no setor de cervejas, aceitou a última oferta de compra da líder do setor, a AB InBev, de capital belga e brasileiro, pelo equivalente a US$ 109 bilhões (96 bilhões de euros). Se ao valor da compra for adicionada a dívida do grupo, a SABMiller fica avaliada em quase 80 bilhões de libras (US$ 122 bilhões ou 108 bilhões de euros).
Uma vez aprovada pelas autoridades de concorrência, a fusão poderá ser a terceira maior da história e a maior aquisição de uma companhia britânica.
O grupo com sede em Londres explicou que o Conselho de Administração alcançou um acordo com a AB InBev, segundo o qual a empresa número um do mundo pagará por cada ação da SABMiller 44 libras esterlinas. Isso eleva o valor da companhia britânica a 71,2 bilhões de libras (109 bilhões de dólares).
A SABMiller disse que pediu uma extensão de duas semanas do prazo estabelecido para que sua rival anuncie uma intenção firme de fazer a oferta. O novo prazo é 28 de outubro.
Se a transação for concretizada como o previsto, o novo grupo incluirá as marcas de cerveja americana Budweiser e belga Stella Artois, pertencentes à AB InBev, assim como a italiana Peroni, a tcheca Pilsner Urquell e a holandesa Grolsch da SABMiller. No Brasil, a AB InBev controla indiretamente a gigante Ambev, dona de marcas como Skol, Brahma, Antarctica e Quilmes.
Um grupo combinado terá valor de mercado de cerca de US$ 275 bilhões, segundo a Reuters, e combiná a dominância da AB InBev na América Latina com a forte presença da SABMiller na África, ambos mercados de rápido crescimento, assim como suas cervejarias na Ásia.
Linha de produção da SAB Miller (Foto: Arquivo/Siphiwe Sibeko/Reuters)
Com esta compra bilionária, a AB InBev abre caminho na África, particularmente na África do Sul, onde a SABMiller nasceu há 120 anos.
O preço de compra representa uma valorização de 50% na comparação com a cotação do título em 14 de setembro, antes dos boatos sobre uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) que elevaram o preço, destacou o Conselho de Administração da SABMiller.
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Para obter o acordo, a AB InBev teve que aumentar quatro vezes sua oferta, recorda o Conselho em um comunicado.
As partes concordaram que a AB InBev pagará uma taxa de rompimento de US$ 3 bilhões à SABMiller caso a transação fracasse devido a significativas questões regulatórias ou por falta de apoio dos acionistas da AB InBev.
O grupo de cigarros Altria, um dos principais acionistas da SABMiller com cerca de 27% de participação, afirmou estar satisfeito com a notícia de que a cervejaria está inclinada a aceitar a nova oferta da rival.dólares.
A Altria tem cerca de 27 por cento de participação na SABMiller.
Bilionário brasileiro por trás do negócio
A AB InBev é parcialmente controlada pelo fundo de private equity 3G Capital, administrado por investidores brasileiros, e controla indiretamente a brasileira Ambev.
A AB Inbev tem entre os seus donos os brasileiros Jorge Paulo Lemann ( homem mais rico do Brasil), Carlos Alberto Sicupira e Marcel Herrmann Telles.
Dono do fundo 3G Capital e sócio da AB Inbev, Lemann tem feito negócios em parceria com a Berkshire Hathaway, de Warren Buffet, como a compra da Heinz e fusão da companhia com a Kraft Foods.
Gigante belgo-brasileira Anheuser-Busch InBev (AB inBev) é maior fabricante de cervejas do mundo (Foto: Reuters)
3ª maior fusão da historia
Confira as 5 maiores fusões/aquisições da história, segundo a empresa de consultoria Dealogic:
1ª O grupo britânico de telecomunicações Vodafone adquire em 1999 a alemã Mannesmann por 172 bilhões de dólares, incluindo a dívida.
2ª Em 2013, a Vodafone vende 45% de sua participação na Verizon Wireless à gigante americana das telecomunicações Verizon por 130,1 bilhões de dólares.
3ª A britânica SABMiller aceita em outubro de 2015 a oferta de compra da AB InBev, de capital belga e brasileiro, avaliada, segundo a Dealogic, em 122 bilhões de dólares, incluindo a dívida.
4ª Em 2000, a americana Time Warner anuncia uma fusão com a compatriota AOL por 112,1 bilhões de dólares, símbolo dos primeiros excessos das empresas ponto.com. As duas empresas se separaram em 2009.
5ª A farmacêutica americana Pfizer adquire em 1999 a rival Warner Lambert por 111,8 bilhões de dólares, incluindo a dívida. A Pfizer se tornou pouco depois a maior empresa farmacêutica mundial.
Fonte: http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/10/sabmiller-aceita-oferta-de-compra-da-ab-inbev-por-us-109-bilhoes.html - 13/10/2015 07h10 - Atualizado em 13/10/2015 12h09
O juiz pousou o olhar no sem-abrigo acusado de dormir em frente a um edifício de
escritórios na Baixa de Washington. Era um sábado à tarde do início de Abril e no
Tribunal de Instância Superior, diante do juiz Thomas Motley, estava Alfred
Postell, diagnosticado com uma esquizofrenia. Postell tinha o cabelo um pouco
comprido e grisalho. A barriga saía-lhe das calças. A barba estava desalinhada.
“Tem o direito de permanecer em silêncio”, disse-lhe um oficial, de acordo com a
transcrição da acusação. “Qualquer coisa que diga, sem ser ao seu advogado,
pode ser usada contra si.” “Eu sou advogado”, respondeu Postell. Motley ignorou aquela declaração bizarra, pesando se Postell, acusado de invasão de propriedade, apresentaria risco de fuga. “Tenho de voltar [à barra]”, protestou Postell, oferecendo uma explicação: “Passei o exame na Catholic University, fui admitido no Constitution Hall. Prestei juramento como advogado no Constitution Hall em 1979; licenciei-me em Harvard em 1979.”Isto já chamava a atenção de Motley. Também ele se licenciara na Faculdade de Direito de Harvard em 1979. “Sr. Postell, eu também”, disse-lhe Motley. “Eu lembro-me de si.”
Este sem-abrigo — que guarda os seus pertences em sacos de plástico brancos,
vagueia por um cruzamento da Baixa e às vezes dorme numa igreja — estudou
juntamente com o chefe do Tribunal Supremo, John G. Roberts, e o antigo
senador do Wisconsin Russ Feingold. Todos eles se licenciaram em Harvard
em 1979. Motley (que não quis ser entrevistado para este artigo) fez uma breve pausa antes de concluir: “Não tenho qualquer escolha neste caso.” Ordenou que o antigo colega fosse para a prisão até que as acusações contra ele estivessem resolvidas.
Numa cidade com milhares de sem-abrigo, é possível que Postell seja o mais
qualificado deles todos. Diplomas, prémios e certificados enchem um armário
no apartamento da sua mãe, como artefactos enterrados de uma vida perdida.
Tem três licenciaturas: Contabilidade, Economia e Direito.
Numa noite de Verão, senta-se dentro de um McDonald’s, com uma toalha branca
enrolada na cabeça como um turbante. Ouvi-lo falar da sua vida é como irromper
num sonho. Ao princípio tudo parece normal. Mas rapidamente as coisas entram
no caos. A cronologia vem aos soluços. Pensamentos incongruentes colidem uns
com os outros. “Charleston”, diz ele, “eu tinha propriedades lá, na cidade.
Os campos de algodão ficavam fora dos limites da cidade. Os campos de algodão:
ficavam fora dos limites da cidade. Apanhei algodão uma única vez na minha vida.
Mas os campos de algodão ficavam para lá dos limites da cidade. Eu vivia dentro
da cidade. Tínhamos propriedades lá. Herdámos a propriedade. Pouco depois,
conduzi até San Diego, Califórnia. Estava apaixonado por uma rapariga.”
Todas estas frases remetiam para o mesmo ponto. Ancoravam Postell nas águas
turbulentas da esquizofrenia. Postell, dizia ele a si próprio e aos outros, tinha
estudos. Trabalhava duramente. Saía-se bem.
Nasceu em 1948, único filho de uma mãe costureira e pai instalador de toldos.
Cresceu a saber o que significa a privação. Era um rapaz normal, diz a mãe, Ruth
Priest, mas sempre focado e motivado.
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Queria mais do que os pais tinham. Por isso, depois de terminar o liceu, juntou um emprego a um curso no Strayer College. Os êxitos levavam a êxitos. Passou no exame e conseguiu trabalho como gestor de auditorias numa empresa de contabilidade, a Lucas and Tucker, onde diz que recebia um salário anual de 50 mil dólares (42 mil euros), o que na altura era muito dinheiro.
Mas não ficou por ali. Foi para a University of Maryland tirar o curso de Economia. E, ainda antes de se licenciar, apresentou uma candidatura a Harvard — e foi aceite.
“Parecia que a cada dois anos eu ficava a saber que tinhas subido mais um patamar”, escreveu E. Burns McLindon, um gestor importante de Bethesda, no Maryland, que foi
professor de Postell em Strayer, numa carta que ele emoldurou. Foi em Strayer
que recebeu o Prémio Aluno de Excelência. “O teu caso”, escreveu McLindon,
que morreu em 2012, “serve de verdadeiro exemplo aos nossos jovens de hoje
para que encontrem dentro deles determinação e ambição para ter sucesso”.
Folhear o livro online do ano de 1979 da Harvard Law School é um exercício
semelhante a ver “Antes de eles serem famosos”. Lá está John Roberts com uma
massa de cabelo. Lá está o sorridente Ray Anderson, que se tornou vice-presidente
executivo das operações de futebol da NFL (Liga Nacional). Lá está Thomas
Motley, 24 anos, activo na Associação de Estudantes Negros, de fato e gravata.
E lá está Alfred Postell. Tem 31 anos, mais velho do que a maioria, usa um bigode
bem cuidado e tem já entradas no cabelo. Tem o olhar de um homem bem
sucedido na vida. E que espera ainda muito mais.
O colega Marvin Bagwell, vários anos mais novo, lembra-se dele a chegar às aulas
de sobretudo e laço enquanto os outros se arrastavam, de olhos sonolentos.
“Havia nele uma dignidade muito discreta”, diz Bagwell, agora vice-presidente
de uma grande empresa de seguros. “Era brilhante e conseguia fazer perguntas
introspectivas que iam ao âmago da questão.”
O mesmo sentimento foi expresso por outros cinco colegas. “Trabalhava com muito
afinco e era extremamente disciplinado”, comenta Piper Kent-Marshall, há muito conselheiro da Wells Fargo. E vestia-se imaculadamente e cheio de aprumo. “Não me espantaria se alguém me dissesse que fazia manicure”, comentou outro colega de turma.
Por isso, os licenciados de Harvard ficaram tão surpreendidos quando souberam
do seu destino. Como é que este homem — tão articulado, tão elegante — acaba
numa existência invisível nas franjas da capital do país?
“É uma história incrivelmente trágica e triste”, diz Kent-Marshall, “porque na
Faculdade de Direito ele era um dos melhores alunos e um homem muito, muito,
muito inteligente e charmoso”.
Se houver pistas para o que terá precipitado a queda de Postell na esquizofrenia,
estão enterradas nos anos após a licenciatura, quando voltou a Columbia.
Aceitou um emprego num escritório que era então conhecido como Shaw Pittman
Potts & Trowbridge, um escritório respeitado que no ano anterior tentara sem
sucesso recrutar a futura juíza do Tribunal Supremo Sonia Sotomayor. Naqueles
anos, a empresa estava a expandir-se muito rapidamente. Quando Postell chegou,
segundo duas pessoas que trabalhavam lá na altura, ele era o único advogado negro do escritório. Devido à sua formação em Contabilidade, foi colocado na equipa fiscal e
rapidamente conheceu um jovem advogado chamado Frederick Klein. Foram
contratados com um ano de diferença. Ambos ganhavam 35 mil dólares. Klein
ficou impressionado com a forma como Postell se vestia. “Era muito urbano”,
diz Klein, que agora está no DLA Piper Global Law Firm. Era culto, atencioso,
discreto.
Postell era tão discreto que, na verdade, vários advogados que trabalharam na
Shaw Pittman não se lembravam de nada acerca dele. Klein e outros dois que
se recordavam não conseguiram, ou não quiseram, dizer porque é que poucos
anos depois de o ter contratado a empresa o deixou partir.
“Não fico muito confortável por estar a falar nisto”, comentou por email Martin
Krall, que chegou a ser sócio da Shaw Pittman. “Já foi há muito tempo, já não
sou sócio há mais de 20 anos e não tenho acesso aos arquivos do pessoal, se é
que ainda existem.”
Talvez o facto de poucos se lembrarem do que aconteceu a Postell seja aquilo
que trai a sua doença. A esquizofrenia assusta. Algumas pessoas, especialmente
as bem sucedidas como ele, conseguem esconder os sintomas durante meses.
Enquanto a vítima se retira da vida social e do trabalho, mergulhando no
isolamento, familiares, amigos e colegas podem nem sequer dar por nada.
E depois há um corte. Os psicólogos referem-se a este momento como “surto
psicótico” ou “primeiro surto”. É quando se quebra a ligação com a realidade
que a vida se divide nestas duas categorias distintas: antes e depois.
“Infelizmente, o declínio rápido não é invulgar”, afirma Richard Bebout, director
do Green Door, um centro de saúde mental que trabalha com sem-abrigo.
“Conheço pessoas que tiraram Medicina, fizeram a faculdade e licenciaram-se
com as melhores notas e, de repente, vêm-se abaixo. É como a história de John
Nash em Uma Mente Brilhante.”
A velocidade com que acontece pode deixar as famílias sedentas de respostas.
“Ele tinha todas aquelas coisas chiques, um bom barco que costumava velejar
por todo o lado”, diz uma familiar, LaTonya Sellers Postell. “Estava a viver uma
vida de ricos. E, de repente, foi-se abaixo. Ninguém sabe exactamente o que
aconteceu... Perdeu todos os seus bens materiais. É de loucos. Absolutamente
de loucos.”
Nem a sua mãe, de 85 anos, consegue explicar o que aconteceu. Um dia, uma
escuridão abateu-se sobre o filho, diz Priest. Não parava de dizer que ia ser preso.
Achava que a polícia estava atrás dele. E a seguir teve uma má separação da
mulher que amava. Pouco tempo depois, teve o seu surto psicótico.
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“Eu tinha medo”, conta a mãe. “Ele corria lá para baixo e eu perguntava: ‘O que se passa? O que se passa?’ E tentava abaná-lo um bocado para o trazer de volta. E ele começava a chorar... E desde então foi por aí abaixo, abaixo, abaixo.”
Quando achou que já não conseguia tratar dele, a mãe foi procurar uma pastora evangélica local, Marie Carter, que o acolheu em casa, em meados dos anos 1980.
A sua filha, agora com 60 anos, achou que Postell ficaria lá por algumas semanas ou meses. Mas ele ficou décadas, passando dias inteiros à frente da televisão ou vagueando por um
parque próximo, a ver as pessoas passar.
É estranho, como 30 anos passam depressa. A única marca que Postell deixou
no registo público durante esse período foi em forma de acusações criminais. Foi
acusado de roubo em 1989 pelo tribunal de Ocean City. Também teve outras
acusações menores na década de 1990. Mas, para além disso, foi um fantasma.
“Entras numa empresa, tens prestígio”, diz Postell. “E quando perdes essa posição
é como um suicídio. É o fim. É a atrofia. Ou, como diz um contabilista, é para se
tornar obsoleto. Sabes o que isso quer dizer? Obsolescência. Para além da tua vida
útil. Eu estava para lá da minha vida útil.”
Postell ficou à deriva. Todos os dias passava pelas mesmas montras. Uma delas
era a loja de café Avondale — até ser barrado pelo dono, levando à sua detenção
em Abril de 2014. Postell acabou por ir parar ao Brawner Building, na Baixa.
A polícia prendeu-o lá por duas vezes, acusando-o de invasão de propriedade
privada. Alegações que, ao fim de 30 anos, levarão Postell a encontrar-se
novamente com Thomas Motley.
Depois de se licenciar em Harvard, Motley foi trabalhar para a Steptoe & Johnson,
um importante escritório de advogados em Washington. Depois, tornou-se
delegado federal do Ministério Público, até ser nomeado pelo Presidente Bill
Clinton.
No dia em que Motley ficou frente a Postell, o sem-abrigo não o reconheceu.
Tinham passado demasiados anos. Mas diria mais tarde que se lembrava de
Motley nas aulas. (Mas não se lembra do presidente do Supremo, Roberts.)
Em Junho, foi ilibado de umas das acusações de entrada ilegal. Outra foi retirada.
E assim passa novamente a maioria dos dias no edifício Brawner, perto da
Farragut Square. Rhett Rayos, o gerente do edifício, diz ter esperança de que
Postell “receba o apoio e serviços que precisa”.
E há esperança. A equipa de saúde mental da Green Door começou a trabalhar
com ele, tal como a Pathways to Housing, outra organização que ajuda
sem-abrigo. A mãe tentou juntar algum dinheiro para o tirar da rua.
Mas nada disso parece interessá-lo quando numa manhã recente está sentado
sozinho à porta do Brawning Building. Tem espalhados jornais aos pés. Agarra
num.
“O jornal usou o termo ‘troglodita’”, diz. “Troglodita: Homem das grutas.”
Depois, perde-se nas suas memórias. “Vivi num prédio de apartamentos na
Presidential Towers. Poderia ser considerado um homem das grutas. Tinha
varanda. Uma varanda no último andar. Um apartamento no último andar
das Presidential Towers. Podia ser considerado um homem das cavernas.”